Paulo Henrique Advogado

O intuito deste breve artigo é elucidar, de maneira direta e cristalina, as características essenciais acerca do Mandado de Segurança, remédio constitucional de relevância ímpar no ordenamento jurídico pátrio.

1. SURGIMENTO E GENERALIDADES DO MANDADO DE SEGURANÇA

O mandado de segurança, criação brasileira introduzida no ordenamento pátrio na Constituição de 1934, tem como escopo principal a proteção de direitos líquidos e certos contra atos de autoridade pública. Trata-se de uma importantíssima garantia fundamental oriunda de um intenso trabalho doutrinário e jurisprudencial, que em sua origem buscava formas de se defender do arbítrio do Poder Público.

Atualmente, o mandado de segurança encontra fundamento no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988, tendo sua regulamentação infraconstitucional na lei 12.016/2009. No plano constitucional, o referido remédio encontra-se abarcado pela chamada cláusula de pedra, que impede a sua alteração por meio de Emenda Constitucional. Tal opção feita pelo constituinte denota a importância conferida ao writ, como também é conhecido.

Analisando a natureza jurídica de tal remédio constitucional, percebe-se facilmente se tratar de uma ação judicial de rito sumário especial, dado o seu caráter de urgência, e de natureza civil, ainda que impetrado contra ato de juiz criminal. É uma ação residual, subsidiária, sendo cabível somente quando não amparado por outros remédios constitucionais, tais como o habeas corpus e o habeas data. Tal característica de subsidiaridade, por sinal, encontra-se prevista de maneira expressa na Carta Política, conforme segue:

Artigo 5º – LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

Da análise do dispositivo constitucional acima exposto, verifica-se cristalinamente que o mandado de segurança tem aplicabilidade contra atos de autoridade pública. O termo autoridade pública empregado no texto constitucional deve ser visto sobre uma acepção ampla, uma vez que abrange atos de autoridade governamental, bem como de agente de pessoa jurídica privada que atue em exercício de atribuição pública.

Sendo assim, sempre que o Poder Público, no âmbito de suas atribuições, de forma comissiva ou omissiva, violar direito líquido e certo de outrem, surgirá para a pessoa física ou jurídica afetada, a legitimidade ativa para interpor mandado de segurança. A depender das circunstâncias, o mandado de segurança poderá ser impetrado inclusive diante do justo receio de violação de direito líquido e certo por ato de autoridade do Poder Público ou equiparado.

2. ESPÉCIES DE MANDADO DE SEGURANÇA

Analisando a Lei 12.016 de 07 de agosto de 2009 – Lei do Mandado de Segurança, percebe-se logo no início que existem duas espécies de mandado de segurança, o individual e o coletivo. Ambos também encontram previsão no artigo da Constituição Federal, o que os caracteriza como garantias fundamentais, conforme anteriormente exposto.

As principais diferenças entre o mandado de segurança individual e coletivo podem ser encontradas na quantidade de pessoas que o ato da autoridade coatora irá atingir e também na legitimidade para sua propositura. Embora o mandado de segurança coletivo seja direcionado a defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos, a Lei do Mandado de Segurança é clara ao possibilitar a impetração do mandado de segurança individual pelo particular, ou seja, não induz litispendência.

No entanto, caso seja impetrado mandado de segurança coletivo, e o particular queira se beneficiar da coisa julgada a ser proferida no julgamento do mandado coletivo, deverá desistir do writ no prazo de 30 dias, a contar da ciência da impetração do remédio constitucional coletivo. Desta forma, ao desistir do seu mandado individual, poderá o particular ser alcançado pelos eventuais benefícios da concessão da segurança coletiva.

Outra diferença entre as duas espécies de mandado de segurança está obviamente na legitimidade para interpô-lo. Sobre tal matéria, qual seja a legitimidade, discorrer-se-á em tópico subsequente.

3. HIPÓTESES DE NÃO CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA

A admissibilidade do mandado de segurança esta restrita ao preenchimento de determinados requisitos. No entanto, em determinados casos, ainda que preenchidos os requisitos básicos para o cabimento do mandado de segurança, o mesmo não será cabível. Isso porque, ora por expressa previsão legal, ora por entendimento jurisprudencial, opta-se pela não utilização do writ.

Nesse sentido, não poderá ser impetrado o mandado de segurança nas seguintes hipóteses: quando se tratar de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, da decisão judicial transitada em julgado, de lei em tese, de ato interna corporis e de substituição por ação popular ou ação de cobrança.

No caso do recurso administrativo com efeito suspensivo, previsto no artigo , inciso I, da Lei 12.016/2009, não caberá de imediato o mandado de segurança pois o interessado dispõe de meio próprio para fazer cessar ou impugnar o ato. Sendo assim, deverá o interessado, em regra, esgotar a esfera administrativa para somente então impetrar o writ. Cabe salientar, no entanto, que se houver omissão ilegal ou abusiva da administração durante o recurso administrativo, caberá o mandado de segurança, conforme entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal – STF.

Em relação a decisão judicial em que é cabível recurso com efeito suspensivo, cuja previsão legal encontra-se no artigo , inciso II, da Lei 12.016/2009, a lógica empregada pelo legislador é a de evitar a utilização do mandado de segurança como recurso, pois tal hipótese de substituição recursal prejudicaria ainda mais o sistema judiciário. Apesar disso, é possível a impetração de mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso sem efeito suspensivo.

A Lei 12.016/2009, em seu artigo , inciso III, elenca também como incabível o mandado de segurança em casos de decisão judicial transitada em julgado. Trata-se de inovação em relação ao diploma legal anterior, cuja letra de lei não trazia expressa tal proibição, embora a proibição era considerada pacífica pelo STF. Aqui, da mesma forma que no item anterior, buscou o legislador impedir a utilização do writ como recurso. No entanto, haverá exceção a tal proibição caso a decisão transitada em julgado seja dotada de ilegalidade ou nulidade gritante.

Ademais, conforme anteriormente referenciado, o mandado de segurança não será cabível em caso de lei em tese, ou seja, lei abstrata ou genérica. O mandado de segurança serviria apenas para impugnar atos da administração pública que causarem lesão ou ameaça a direito de um ou mais administrados. Contudo, a jurisprudência recente tem permitido o cabimento do writ para combater leis de efeitos concretos.

Outra hipótese de não cabimento do mandado de segurança seria nos atos interna corporis, ou seja, em relação a matérias internas, de cunho restrito e particular das Casas Legislativas. O fundamento para tal descabimento estaria no princípio basilar da separação dos poderes.

Por fim, o STF, através da Sumula 101, expressamente prevê que o mandado de segurança não é instrumento hábil para substituir a ação popular. Do mesmo modo entende a Suprema Corte em relação a substituição da ação de cobrança, entendimento este também sumulado por meio da Súmula 269.

4. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

A legitimidade ativa diz respeito as pessoas, físicas ou jurídicas, que possuem o direito de impetrar mandado de segurança, quando da violação de direito líquido e certo, conforme já citado anteriormente. Pode-se considerar legitimados a impetrar mandado de segurança os seguintes sujeitos:

a) As pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, domiciliadas ou não no Brasil;

b) As universalidades reconhecidas por lei, que mesmo sem possuir personalidade jurídica, possuem capacidade processual para defender seus direitos. Dentre os exemplos de universalidades de direito pode-se citar o espólio, a massa falida, a sociedade de fato, dentre outras;

c) Os agentes políticos, tais como Governadores, Prefeitos, Magistrados, Deputados, Senadores, Vereadores, membros do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, dentre outros;

d) Os órgãos públicos de grau superior, na defesa de suas prerrogativas e atribuições;

Ainda em relação aos sujeitos com legitimidade ativa, cabe ressaltar que quando o direito ameaçado ou violado pertencer a várias pessoas, qualquer uma delas terá possibilidade de requerer o mandado de segurança.

A legitimação passiva, por outro lado, refere-se aquelas autoridades a frente de órgãos públicos ou equiparados, cuja atuação acarretou ou acarretará a ameaça ou violação de direito líquido e certo do sujeito ativo, visto anteriormente. A doutrina e a jurisprudência costumeiramente se refere aos legitimados passivos como autoridade coatora. Deste modo, a autoridade coatora é aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane ordem para sua prática.

Quando se tratar de autoridade delegada, cuja atuação se deu em virtude de uma atribuição recebida, será ele a autoridade coatora, e não a autoridade delegante. A partir dessa afirmação, conclui-se que a competência para o processo e julgamento do mandado de segurança caberá ao juízo ou tribunal competente para apreciar os atos da autoridade delegada. Além do mais, será a autoridade coatora que deverá prestar informações, no prazo de 10 dias, ao Juiz.

Em linhas gerais, possuem legitimidade passiva em sede de mandado de segurança os seguintes:

a) Autoridades públicas de quaisquer poderes da União, dos estados e do Distrito Federal, bem como dos municípios;

b) Os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas com personalidade de direito público;

c) Os dirigentes de pessoas jurídicas de direito privado, integrantes ou não da administração pública formal, e as pessoas naturais, desde que estejam exercendo atribuições do Poder Público, e apenas naquilo que disser respeito a essas atribuições especificas.

Percebe-se, portanto, que o mandado de segurança será cabível apenas em detrimento do Poder Público, não havendo o que se falar em utilização do writ quando se tratar de atos eminentemente privados.

5. COMPETÊNCIA EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA

No tópico anterior, considerou-se que a competência para o julgamento do mandado de segurança dependeria da categoria da autoridade coatora. Sendo assim, para se definir que órgão será competente para processar e julgar o mandado de segurança, é necessário verificar quem cometeu o ato, ou seja, quem é a autoridade responsável. Note-se que a competência será fixada em razão da pessoa e não da matéria.

Das regras contidas na Constituição Federal, extrai-se que a competência para processar e julgar determinadas pessoas jurídicas que cometam ato ilegal ou abusivo de poder que tenham foro privilegiado é determinada pelo critério funcional e hierárquico. Assim, o Supremo Tribunal Federal será competente para julgar o Presidente da República, da Mesa da Câmara e Mesa do Senado, o Procurador Geral da República, o Presidente do Tribunal de Contas da União e o próprio Supremo. O Superior Tribunal de Justiça será competente para julgar no âmbito cível os Ministros de Estado, o Comandante Geral da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. Os Tribunais Regionais Federais são competentes para julgar mandado de segurança contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal. O Tribunal de Justiça de Estado será competente no âmbito cível para julgar Mandado de Segurança impetrado em face de Governador de Estado, Tribunal de Contas do Estado e contra o próprio Tribunal de Justiça.

É essa a determinação expressa do legislador Constituinte, conforme oportunamente segue:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I processar e julgar, originariamente:

d) (…) mandado de segurança (…) contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

b) os mandados de segurança (…) contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I – processar e julgar, originariamente:

c) os mandados de segurança (…) contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: IV- (…) os mandados de segurança (…) quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

Em relação a competência da Justiça Estadual, caberá aos próprios estados-membros cuidar da competência para a apreciação do mandado de segurança contra atos de suas autoridades que violem ou ameacem direito líquido e certo de outrem. E esse o disposto no artigo 125 da Carta Política.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado – 16º edição; Editora Método, São Paulo, 2017

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional Descomplicado – 4º edição; Editora JusPodivm, São Paulo, 2016